Por Rafael Jácome
Discutir política é sempre difícil, principalmente quando estamos diante de pessoas que estão desiludidas com os nossos representantes. É impressionante, porém, a postura de alguns irmãos em relação as suas atitudes anti política. Antigamente ela era tida como coisa do "satanás" pelas lideranças evangélicas e que crente não podia se misturar com essas coisas do mundo. Tal situação era no mínimo contraditória, tendo em vista que todo crente é um cidadão brasileiro. Os reflexos dessas posições exdrúxulas ainda persistem, em menor número, no meio de algumas igrejas evangélicas.
Esta noite tive um amplo debate com alguns irmãos da terceira idade e foi difícil fazer entender a eles que num país democrático de direito, exercer o seu papel de cidadão, não é coisa de bruxaria, nem de satanás e nem mesmo uma ação pecaminosa; o crente não deixa de ser crente porque gosta e pratica a política.
No meio do colóquio lembrei-me de um escrito que havia publicado meses atrás sobre este assunto. Aproveitei e li alguns trechos importantes e que definem a importância de contribuirmos com um país mais justo, honesto e verdadeiro:"... É
comum perceber a aversão da maior parte dos crentes quando o assunto é colocado
em pauta. As reações são as mais diversas possíveis, sempre excluindo o debate
e deixando passar a oportunidade de uma conversa franca, honesta e decisiva que
como cristãos devemos ter. Mas, para dialogar é preciso conhecer e saber
verdadeiramente o que significa o termo “política”.
Se não me falha a memória dos tempos de
estudos do Seminário, antes de tudo é necessário distinguir três níveis que
abrange este tema: 1) o político; 2) a ação política e 3) a politicagem.
1) O Político é tudo que se refere à vida, estruturas, idéias e formas
da sociedade; A palavra deriva do grego “polis” = cidade, como
sinônimo de “civil” ou “civilidade”(do latim “civitas” = cidade). Assim sendo e
neste sentido todas as formas de atividade humana na sociedade – quer de
caráter econômico, cultural ou religioso – são “políticas”, enquanto se acham
condicionadas pela escala de valores, as formas de convivência, as instituições
e as instâncias de poder que vigoram nessa sociedade, e por sua vez influenciam
sobre elas.
Sob esta ótica podemos correr dois
perigos bastante opostos entre si: a valorização da política como sendo a
verdadeira dimensão da vida humana e tudo em função dela; e o apoliticismo
ingênuo onde as pessoas prescindem ou mantêm neutralidade em relação a ela. Na
verdade o “político” implica na formação
do juízo sobre valores e contradições e sobre as causas das contradições da
sociedade. E o que é mais importante para nós crentes: implica também uma certa
concepção do homem e daquilo que a sociedade deveria ser. O que devemos
aprender é não defender dogmatismos políticos ou qualquer de outra espécie,
absolutizando nossos próprios processos.
2) A Política é o campo da atividade
humana que visa especificamente administrar ou transformar as maneiras de
convivência e as estruturas da sociedade, e isto mediante o exercício ou a
conquista do poder. O que se entende por poder? Tanto o poder de governar, como
outras formas de prestígio, autoridade ou influência na sociedade. Aqui também
estão incluídas todas as instituições de representatividade da sociedade,
inclusive as religiosas e, imprescindivelmente enquanto detêm alguma forma de
poder, todas se encontram no campo político, mas não necessariamente no âmbito
da política partidária. Isto é outra história. E por último:
3) A Politicagem é a corrupção da
atividade política, enquanto os interesses individuais se colocam a disposição
de ambições particulares, de pessoas ou grupos, e é exercida mediante a
manipulação de outras pessoas ou instituições, mediante a demagogia, que
explora em benefício próprio as necessidades e esperanças do povo.
O papel da Igreja e dos crentes é fundamental para dá uma resposta ao
dever social e político das suas comunidades e a todos os cidadãos, orientando
os critérios e juízos evangélicos, desmascarando contra as tentações e perigos
da política, que levam a degradá-la em politicagem ou em totalitarismo. É
também importante ter ações de combate aos políticos (= “politiqueiros”)
oportunistas, desonestos e corruptos. Quando citei que a igreja está acima de
qualquer estrutura política partidária, está claro que ela não pode envolver-se
com nenhum partido, mas pode defender na sociedade os interesses fundamentais
do homem.
(...) Sabeis que os que são reconhecidos
como governadores dos gentios, deles se assenhoreiam, e que sobre eles os seus
grandes exercem autoridade. Mas entre vós não será assim; antes, qualquer que
entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que
entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos.” (Mc 10.42-44)
Um comentário:
Caro Rafael, mais uma vez parabenizo pela ousadia, como dizia Kant, de levar a luz a ignorância, e cito Manzine-Covre para justificar vosso propósito:
O ato de votar não garante nenhuma cidadania, senão vier acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural.
Só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão. Mas o primeiro pressuposto dessa prática é que esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento deste se estenda cada vez mais a toda a população.
DIREITOS SOCIAIS
Dizem respeito ao atendimento das necessidades humanas básicas. Aquelas que devem repor a força de trabalho, sustentando o corpo humano – alimentação, habitação, saúde, educação, etc.
DIREITOS POLÍTICOS
Dizem respeito à deliberação do homem sobre sua vida, ao direito de ter livre expressão de pensamento e prática política, religiosa, etc. Mas, principalmente, relacionam-se à convivência com os outros homens em organismos de representação direta (sindicatos, partidos, movimentos sociais, escolas, conselhos, associações de bairro, etc.) ou indireta (pela eleição de governantes, parlamento, assembléias), resistindo a imposições dos poderes (por meio de greves, pressões, movimentos sociais).
Todavia não se pode esquecer do que recomendou Diderot em 1796:
“Examinem todas as instituições políticas, civis e religiosas; ou muito me engano ou vocês verão nelas o gênero humano subjugado, a cada século mais submetido ao jugo de um punhado de meliantes. Desconfiem de quem quer impor a ordem”.
Prossiga na missão.
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