quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O Estado Democrático de Direito e o Papel do Cidadão Crente

 Por Rafael Jácome
 
 
          Discutir política é sempre difícil, principalmente quando estamos diante de pessoas que estão desiludidas com os nossos representantes. É impressionante, porém, a postura de alguns irmãos em relação as suas atitudes anti política. Antigamente ela era tida como coisa do "satanás" pelas lideranças evangélicas e que crente não podia se misturar com essas coisas do mundo. Tal situação era no mínimo contraditória, tendo em vista que todo crente é um cidadão brasileiro. Os reflexos dessas posições exdrúxulas ainda persistem, em menor número, no meio de algumas igrejas evangélicas.
 
          Esta noite tive um amplo debate com alguns irmãos da terceira idade e foi difícil fazer entender a eles que num país democrático de direito, exercer o seu papel de cidadão, não é coisa de bruxaria, nem de satanás e nem mesmo uma ação pecaminosa; o crente não deixa de ser crente porque gosta e pratica a política.
 
          No meio do colóquio lembrei-me de um escrito que havia publicado meses atrás sobre este assunto. Aproveitei e li alguns trechos importantes e que definem a importância de contribuirmos com um país mais justo, honesto e verdadeiro:"... É comum perceber a aversão da maior parte dos crentes quando o assunto é colocado em pauta. As reações são as mais diversas possíveis, sempre excluindo o debate e deixando passar a oportunidade de uma conversa franca, honesta e decisiva que como cristãos devemos ter. Mas, para dialogar é preciso conhecer e saber verdadeiramente o que significa o termo “política”.

          Se não me falha a memória dos tempos de estudos do Seminário, antes de tudo é necessário distinguir três níveis que abrange este tema: 1) o político; 2) a ação política e 3) a politicagem.
        1) O Político é tudo que se refere à vida, estruturas, idéias e formas da sociedade; A palavra deriva do grego “polis” = cidade, como sinônimo de “civil” ou “civilidade”(do latim “civitas” = cidade). Assim sendo e neste sentido todas as formas de atividade humana na sociedade – quer de caráter econômico, cultural ou religioso – são “políticas”, enquanto se acham condicionadas pela escala de valores, as formas de convivência, as instituições e as instâncias de poder que vigoram nessa sociedade, e por sua vez influenciam sobre elas.

        Sob esta ótica podemos correr dois perigos bastante opostos entre si: a valorização da política como sendo a verdadeira dimensão da vida humana e tudo em função dela; e o apoliticismo ingênuo onde as pessoas prescindem ou mantêm neutralidade em relação a ela. Na verdade o “político” implica  na formação do juízo sobre valores e contradições e sobre as causas das contradições da sociedade. E o que é mais importante para nós crentes: implica também uma certa concepção do homem e daquilo que a sociedade deveria ser. O que devemos aprender é não defender dogmatismos políticos ou qualquer de outra espécie, absolutizando nossos próprios processos.

        2) A Política é o campo da atividade humana que visa especificamente administrar ou transformar as maneiras de convivência e as estruturas da sociedade, e isto mediante o exercício ou a conquista do poder. O que se entende por poder? Tanto o poder de governar, como outras formas de prestígio, autoridade ou influência na sociedade. Aqui também estão incluídas todas as instituições de representatividade da sociedade, inclusive as religiosas e, imprescindivelmente enquanto detêm alguma forma de poder, todas se encontram no campo político, mas não necessariamente no âmbito da política partidária. Isto é outra história. E por último:

        3) A Politicagem é a corrupção da atividade política, enquanto os interesses individuais se colocam a disposição de ambições particulares, de pessoas ou grupos, e é exercida mediante a manipulação de outras pessoas ou instituições, mediante a demagogia, que explora em benefício próprio as necessidades e esperanças do povo.

        O papel da Igreja e dos crentes é fundamental para dá uma resposta ao dever social e político das suas comunidades e a todos os cidadãos, orientando os critérios e juízos evangélicos, desmascarando contra as tentações e perigos da política, que levam a degradá-la em politicagem ou em totalitarismo. É também importante ter ações de combate aos políticos (= “politiqueiros”) oportunistas, desonestos e corruptos. Quando citei que a igreja está acima de qualquer estrutura política partidária, está claro que ela não pode envolver-se com nenhum partido, mas pode defender na sociedade os interesses fundamentais do homem.

(...) Sabeis que os que são reconhecidos como governadores dos gentios, deles se assenhoreiam, e que sobre eles os seus grandes exercem autoridade. Mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos.” (Mc 10.42-44)

Um comentário:

Valtemir disse...

Caro Rafael, mais uma vez parabenizo pela ousadia, como dizia Kant, de levar a luz a ignorância, e cito Manzine-Covre para justificar vosso propósito:
O ato de votar não garante nenhuma cidadania, senão vier acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural.

Só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão. Mas o primeiro pressuposto dessa prática é que esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento deste se estenda cada vez mais a toda a população.
DIREITOS SOCIAIS
Dizem respeito ao atendimento das necessidades humanas básicas. Aquelas que devem repor a força de trabalho, sustentando o corpo humano – alimentação, habitação, saúde, educação, etc.
DIREITOS POLÍTICOS
Dizem respeito à deliberação do homem sobre sua vida, ao direito de ter livre expressão de pensamento e prática política, religiosa, etc. Mas, principalmente, relacionam-se à convivência com os outros homens em organismos de representação direta (sindicatos, partidos, movimentos sociais, escolas, conselhos, associações de bairro, etc.) ou indireta (pela eleição de governantes, parlamento, assembléias), resistindo a imposições dos poderes (por meio de greves, pressões, movimentos sociais).
Todavia não se pode esquecer do que recomendou Diderot em 1796:
“Examinem todas as instituições políticas, civis e religiosas; ou muito me engano ou vocês verão nelas o gênero humano subjugado, a cada século mais submetido ao jugo de um punhado de meliantes. Desconfiem de quem quer impor a ordem”.
Prossiga na missão.