quinta-feira, 7 de junho de 2012

DEUS, A DÚVIDA E A JUSTIFICAÇÃO DE QUEM DUVIDA (1)

Por Rafael Jácome


Em setembro de 1998 numa entrevista feita ao frei Leonardo Boff, no qual os entrevistadores Marina Amaral, Frei Betto, Sérgio Pinto de Almeida, Ricardo Kotscho, Roberto Freire, Carlos Moraes, Chico Vasconcellos, João Noro e Sérgio de Souza, entre tantas perguntas abordaram a sua experiência com Darcy Ribeiro antes da sua morte. O diálogo estabelecido entre os dois deixa claro o aspecto da dúvida na vida do homem e resume bem o tema proposto:
P - Como foi o momento com Darcy?
Leonardo Boff: Digamos que foi a última grande conversa entre tantas que tive com o Darcy. Ele disse: "Boff, quero ter uma conversa metafísica. Quero abordar a questão da morte, o que vem depois da morte, e não tem nenhum interlocutor, entre os meus amigos, que possa sustentar o discurso que eu quero". Fui lá uns quinze dias antes de ele morrer, e ele se abriu: "Quero discutir com você o tema da morte, porque estou enfrentando a morte, o meu último grande desafio". Então me fez ler o prefácio do inédito Confissões (livro lançado posteriormente), em que faz uma leitura de sua vida, não uma autobiografia, mas fatos relevantes, luminosos da vida dele. E terminava o prefácio dizendo: "Pena que a vida, tão carregada de lutas e fracassos, e vitórias, e vontade de trabalhar, seja marcada por uma profunda desesperança, porque nós voltamos, através da morte, ao pó cósmico, ao esquecimento, e ficamos na memória, que é curta e só de algumas pessoas, e voltamos à diluição cósmica". Então eu disse, ao terminar a leitura: "Darcy, acho que é uma interpretação de quem vê de fora. É como você ver a borboleta, e ver o casulo. Você pode chorar pelo casulo que foi deixado para trás e ver que ele morreu. Mas você pode olhar a borboleta e dizer: "Não, ele libertou a borboleta, e ela é a esperança de vida que está dentro do casulo”. (...) - Então eu disse: "Darcy, no pensamento mais originário, contemporâneo, da biologia molecular, no estilo Elya Prigogine, o caos é uma invenção da orbi, a morte é uma invenção da vida, pra vida ser mais complexa, mais alta, e a tendência da vida é buscar a sua perpetuação, a sua imortalidade. Darcy, deixa te dizer como imagino a tua chegada, o teu grande encontro. Não vai ser com Deus Pai, porque pra você Deus tem de ser Mãe, tem de ser mulher... (risos) Então tem de ser Deusa. Imagino assim: que Deus, quando você chega lá em cima, vai dizer com os braços abertos: ‘Darcy, como você custou pra chegar, eu estava com uma saudade louca de você, finalmente você veio, você não queria vir, você teve de vir e agora chegou’. E te abraça e te afaga em seu seio, e te leva de abraço em abraço, de festa em festa...". E ele emendou: "De farra em farra...". (risos) Eu digo: "Darcy, isso será pela eternidade afora". Aí ele parou e me olhou de lado, assim como que interrogando, e disse: "Como gostaria que fosse verdade! Minha mãe morreu cheia de fé e morreu tranqüila, eu invejo você, que é um homem inteligente e de fé. Eu não tenho fé. Como gostaria que fosse verdade". E aí lhe correu uma lágrima e ele ficou silencioso, estremeceu e teve um acesso de diabetes, uma queda muito grande de pressão e tiveram de levá-lo. E terminou assim a conversa. Eu ainda disse antes de ele sair: "Darcy, não se preocupe com a fé, porque Deus não se incomoda com a fé. Pelos critérios de Jesus, quem tem amor tem tudo. Então, quando a gente chega na tarde da vida como você, quem atendeu os famintos como você; crianças abandonadas como você; índios marginalizados como você; negros que você defendeu; as mulheres oprimidas, desde o neolítico ninguém louvou tanto a mulher quanto você – quem fez isso ganha tudo, porque optou pelos últimos, por aqueles que estavam em necessidade. Quem fez isso tem o reino, tem a eternidade, tem Deus. E você só fez isso". Ele respirou e disse: "Puxa, mas tem de ser verdade". Mas não conseguia dar o passo, acho que não importa dar o passo, acho que ele teve a coerência de vida, que foi carregada de um grande sentido, de uma grande luta generosa”.

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